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Educação Além do Prato além mar: a lição de Ouadiour a São Paulo

A diretora do Departamento de Alimentação Escolar, Erika Fischer, relatou sua visita à Escola Primária Ouadiour no Senegal

Publicado em: 04/07/2016 13h05 | Atualizado em: 30/11/2020

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Enquanto 30% das crianças brasileiras padecem de sobrepeso, no restante do mundo quase 200 milhões de meninos e meninas menores de cinco anos sofrem de desnutrição aguda ou crônica. Isso significa que eles não têm acesso a alimentos em quantidade suficiente para satisfazerem suas necessidades energéticas mínimas. Combinada com outras doenças ou infecções evitáveis, como diarreia e malária, a FAO calcula que a cada ano a desnutrição leva à morte pelo menos três milhões de crianças e, das que chegam à idade adulta, é alta a probabilidade de desenvolvimento de problemas crônicos de saúde como cardiopatias, diabetes e hipertensão arterial.

A triste ironia é que embora o continente africano seja um grande produtor e exportador de produtos de origem agrícola, a África se ressente por não poder alimentar sua própria população.
Pra se ter uma ideia da magnitude do problema, na porção subsaariana do continente estão quase uma quarta parte das pessoas subnutridas do mundo, revelando um quadro socioecoonômico de extrema vulnerabilidade.

Para enfrentar a desnutrição, o Senegal (circulado no mapa acima) e mais uns tantos países, na maior parte da África Ocidental, têm buscado apoio no Centro de Excelência contra a Fome, fórum do Programa Mundial de Alimentos, para entender o modelo brasileiro de alimentação escolar e a partir daí, fomentar programas próprios, mais sustentáveis e menos dependentes de meras transferências de recursos. A experiência brasileira com a aquisição direta de agricultores familiares, tonificada por políticas publicas inspiradoras como o Programa Nacional de Alimentação Escolar é um dos fundamentos dessa cooperação que vem se instaurando entre o Brasil e esses países e entre eles próprios, numa lógica de cooperação SUL_SUL, extensiva a governos da África, Ásia e América Latina.

No Senegal, por exemplo, onde o ambiente político é propício a ações de governo mais duradouras, recentemente começou a ser implantado um programa de alimentação escolar baseado em “comida de verdade”. Em algumas escolas senegalesas as crianças já têm reconhecido o direito a duas refeições no decorrer do período letivo, medida que assegura minimamente sua nutrição e melhora consideravelmente seu aprendizado. Naquele país, o Programa Mundial de Alimentos associa-se com comerciantes locais para fornecimento de quatro categorias de itens: cereais, óleo, sal e grãos, com os quais são elaborados desjejuns e almoços baseados em itens produzidos prioritariamente na região.

Para conhecer de perto o programa senegalês e dialogar com outros 23 países da África Ocidental sobre estratégias possíveis de consolidação de politicas públicas de alimentação escolar, o município de São Paulo, cumprindo mais uma etapa do Prêmio Educação Além do Prato, reuniu duas merendeiras e duas educadoras para um seminário especial de alimentação escolar para o oeste da África que aconteceria na semana de 08 a 12 de junho de 2015. O objetivo era recompensar as duplas ganhadoras do prêmio com uma missão junto ao Programa Mundial de Alimentos que lhes desse a oportunidade de inspirar aqueles países por meio do compartilhamento de sua história particular de sucesso!

A escola de Ouadior

Na manhã da terça-feira, 09 de junho, fomos recebidos com uma celebração festiva sob a sombra de uma majestosa Nim, exemplar singular de árvore típica da região, capaz de abrigar mais de uma centena de crianças do calor e secura extremos de uma região quase desértica dando-lhes conforto mínimo para entoar seu canto de boas-vindas em wolof, uma de diversas línguas faladas no Senegal.

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Crédito: WFP/Mariana Rocha

A mesma sombra serviu de antessala para a conversa franca e compenetrada entre a equipe de São Paulo e o conselho comunitário da escola de Oaudior, uma das mais antigas do distrito de Gossas, pequena cidade no oeste do Senegal pertencente a região de Fatick.

Ali falou-se de alimentos seguros, crianças saudáveis, garantia de aprendizagem por meio da alimentação na escola, trajetória paulistana no programa de alimentação escolar – do copo de leite aos orgânicos na refeição – semelhanças entre Brasil e África, e finalmente das possibilidades que se descortinam àquele continente diante da nova perspectiva de apoio sustentável do PMA e do Centro de Excelência contra a Fome.

O engajamento da equipe e a legitimidade de seus propósitos foram evidenciados pelo carinho quase desmedido das “femmes mamans”, voluntárias mães merendeiras da escola, que acolheram as colegas brasileiras e identificaram nelas suas “almas gêmeas”, embora antes jamais uma desconfiasse da existência da outra.

Com a palavra, o prefeito de Oaudiour, ex aluno da escola e também seu professor.

Ao invés de pedidos, ouvimos: “queremos finalmente poder andar pelos próprios meios! Só precisamos de água!”

Esse depoimento fez lembrar o Brasil de alguns anos atrás, no início do “Fome Zero”.

E trouxe luz aos resultados que considero talvez os mais emblemáticos e sustentáveis do Programa: as cisternas do semi árido, iniciativa do “Programa Água pra Todos”.

De repente percebemos como as realidades de nossos países são parecidas, na sua essência.

O flagelo da seca e da fome está sendo enfrentado com relativo sucesso no Brasil e o Brasil avançou muito nas últimas décadas, mas somos ofuscados por valores preconceituosos acerca da capacidade de diagnóstico e resposta dos outros povos a seus problemas fundamentais. Esquecemos que premissas básicas têm sido historicamente negadas a eles; a água é o principal, mas não o único exemplo!

Do privilégio de nos reconhecer na realidade de Ouadiour surge a vontade de estabelecer elos de cooperação para construção de vínculos mais duradouros.

O encontro em Ouadiour deixou a certeza de que São Paulo, com toda a maturidade que revela na alimentação escolar de suas crianças, precisa trocar e pode aprender muito com os sofridos países africanos.

Não estou certa sobre qual das duas cidades ficou mais transformada com a visita daquele dia…Mas tenho clareza de que a nossa missão apenas começou.

“Ninguém entra em um mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as águas que já serão outras.” (Heráclito)

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