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Conheça a trajetória do pensamento sobre a Educação Integral no Brasil e na cidade de São Paulo

Texto aborda desde o pensamento de Mário de Andrade e Anísio Teixeira até as experiências recentes com o Programa Mais Educação

Publicado em: 18/12/2015 15h19 | Atualizado em: 30/11/2020

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Com o objetivo de demonstrar que a proposta do Programa “São Paulo Integral” não se baseia no inovacionismo que abre mão da experiência e dos saberes acumulados no tempo por educadores, pensadores e intelectuais, o documento orientador do Programa traz um ensaio sobre a trajetória do pensamento sobre a Educação Integral no Brasil e no município de São Paulo.

O texto retoma o pensamento de Mário de Andrade e Anísio Teixeira, as discussões a respeito da implementação da Escola Integrada de 8 anos na Rede Municipal no ano de 1970, as ações da gestão Paulo Freire, principalmente no que tange à iniciativa de recriar a cultura a partir da escola por meio de uma gestão democrática e da participação popular, a inauguração dos primeiros CEUs em 2002 e a experiência recente em resposta ao Plano Nacional de Educação e realizada com auxílio do Programa Mais Educação Federal que ampliou de 39, em 2012, para 365, em 2014, o número de escolas com turmas em Educação Integral.

Clique aqui para acessar o capítulo “Experiências em Educação Integral no tempo: até onde caminhamos, onde estamos, para onde pretendemos ir…”

Clique aqui e veja o documento orientador “São Paulo Integral – ampliando e construindo novos caminhos pedagógicos” na íntegra.

Experiências em Educação Integral no tempo: até onde caminhamos, onde
estamos, para onde pretendemos ir…

“Qué haría yo sin lo absurdo y lo fugaz?”
Khalo

“Que faria eu sem o absurdo e o fugaz?” Que faríamos nós sem a ousadia de pensar (e de
agir) por uma educação surreal e que transborda? Que escorre por entre os dedos como tantas
outras vezes escorreu? A Secretaria Municipal de Educação se coloca uma vez mais de forma
colaborativa a serviço da eclosão de um pensamento educacional que aponta caminhos, sem
negar o processo e a luta dos educadores que todos os dias ousam uma educação melhor.

Este breve capítulo tem a pretensão de ensaiar a trajetória do pensamento sobre Educação
Integral no Brasil e no município de São Paulo, no sentido de demonstrar que a íntegra
desta proposta não bebe no inovacionismo que abre mão da experiência e dos saberes
acumulados no tempo por educadores, pensadores e intelectuais, mas valoriza aquilo que já
temos e aquilo que queremos: nossa trajetória até aqui e o sonho possível.

Essa trajetória não se dá de forma unilateral e linear, como muitas vezes gostamos de
pensar – colocando o presente momento como a ponta da lança da evolução social – mas sim de
forma dispersiva, multilateral, ora em debate a plenos pulmões, ora apagado. A Educação
Integral se dá entre silêncios e eclosões do pensamento.

Nesse sentido, podemos metaforizar o debate na atual conjuntura pensando na obra “O
grito”, de Edvard Munch (1893). O grito por uma educação outra, mas que não se esquece de
seu passado e de suas conquistas.

As propostas de Educação Integral ou que apontavam para a integralidade do sujeito
educando se constituíram muitas vezes sob a perspectiva de revisar os modos de organizar os
tempos, os espaços, as formas e conteúdos das aprendizagens. Ainda que muitas vezes essas
propostas fossem politicamente e ideologicamente diversas – como nos movimentos
integralistas e os anarquistas na década de 30, que acreditavam de um lado na disciplina e
no espírito cívico e do outro na emancipação e autonomia humana – mantinham similaridade no
que se refere às suas atividades educacionais.
[2] Não retomaremos a discussão
de forma tão ampla, mas é importante marcar que nesse momento houve o primeiro grito de um
pensamento para a Educação Integral no Brasil.

Nessa perspectiva, é importante evidenciar o lastro institucional dessa discussão no
mesmo período da década de 30 e além. Retomemos dois importantes homens de pensamento e
ação do nosso país que tiveram preponderante papel para a educação no Brasil: Mário de
Andrade e Anísio Teixeira.

O legado de Mário de Andrade para as artes é conhecido de muitos brasileiros. O que nos é
furtado à memória, no entanto, é a importante participação de Mário de Andrade na
elaboração dos Parques Infantis de São Paulo, quando este esteve à frente da Secretaria de
Cultura do município. Segundo nos informa Elizabeth Abdanur:

Dados relativos ao número de crianças que frequentavam os parques de São Paulo mostram
que cada parque recebia diariamente entre 300 e 400 crianças. Ali, brincavam, faziam
ginástica, participavam de jogos e torneios, desenhavam, liam e aprendiam vários tipos de
artesanato. O cotidiano dos parques era bastante diferente do cotidiano escolar. Neles, as
crianças encontravam uma estrutura menos rígida, onde elas próprias organizavam suas
atividades.
[3]

É interessante notar que a experiência dos Parques Infantis na gestão de Mário de Andrade
seguiam premissas que hoje pautam muitas das questões da Educação Pública Municipal. Era
voltado basicamente para as crianças das famílias operárias da cidade e tinham, como se vê
na pesquisa de Ana Lúcia Goulart de Faria e em outras de mesmo assunto,
[4] que havia uma séria
preocupação com a brincadeira, com os espaços infantis e com a cultura elaborada por
crianças, numa perspectiva que se aproxima de uma abordagem de assistência, recreação e
educação e se distancia das concepções (hoje ainda em voga) que visam a capacitação e o
desenvolvimento de competências na infância.

A experiência da gestão Mário de Andrade é o primeiro recorte da trajetória da educação
pública municipal e é reveladora de sua vocação: continua a servir aos filhos das classes
trabalhadoras, da maioria das pessoas que vivem na cidade e, com o mesmo desafio, se pensar
numa perspectiva que atravesse os muros e grades da escola, ressignificando os tempos e
espaços escolares já constituídos e se apropriando de outros tempos e outros espaços.

Seguindo a mesma linha, Anísio Teixeira, contemporâneo de Mário de Andrade e estando no
mesmo bojo dos anarquistas e integralistas supracitados, contribuiu com a redação e assinou
o importante Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Mais tarde, nas décadas de 50 e 60,
compôs a construção da escola Carneiro Ribeiro em Salvador e a constituição do “Plano
Humano” da Educação, em Brasília.

A perspectiva atual de que a Educação precisa ser pensada para além das paredes da escola
ou de que se dá entre a relação dos sujeitos com seu meio social, qualificada pelos saberes
constituídos na escola, pode ser rastreada no manifesto:

[…] há 43 anos, enquanto nossos meios de locomoção e os processos de indústria
centuplicaram de eficácia […]. Por que a escola havia de permanecer, entre nós, isolada
do ambiente, como uma instituição enquistada no meio social, sem meios de influir sobre
ele. (Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, 1932)
[5]

Inaugurando “uma série fecunda de combates de ideias e fomentando no cenário nacional
as primeiras reformas, [Anísio Teixeira e os pioneiros buscaram] multiplicar associações e
iniciativas escolares”
[6] tendo por objetivo “organizar
e desenvolver os meios de ação durável com o fim de “dirigir o desenvolvimento natural e
integral do ser humano em cada uma das etapas do seu crescimento”.
[7]

Tendo em vista
o trabalho, a solidariedade e a cooperação,[8] os
idealizadores do Manifesto reconheciam como direito de cada indivíduo à sua Educação
Integral, sendo competência do Estado, portanto, em sua função essencialmente pública, o
dever de promover uma educação com a cooperação de todas as instituições sociais,
organizando os meios efetivos, tornando a escola comum e acessível em todos os seus graus.
Consideravam também a
laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação[9] como
princípios caros ao movimento.

Anos mais tarde, à frente da Secretaria de Educação e Saúde do governo de Otávio
Mangabeira, na Bahia, Anísio Teixeira implementou o primeiro modelo de
Educação Integral bem sucedido no Brasil, ao inaugurar o Centro Educacional
Carneiro Ribeiro (CECR), em Salvador, no ano de 1952.

Com a iniciativa de proporcionar às crianças uma Educação Integral, atentando para
questões como higiene, alimentação, socialização e preparo ao trabalho, as atividades
escolares eram realizadas em dois turnos. No turno básico as tarefas aconteciam nas
chamadas escolas-classes e, no contraturno, as atividades complementares eram desempenhadas
nas Escolas-Parque.
[10]

Naquela oportunidade existiam quatro escolas-classes com mil alunos cada, construídas
ao redor de uma única escola-parque, atendendo a quatro mil estudantes, em períodos
alternados.
[11]

Nos anos 60, Anísio, juntamente com proeminentes intelectuais como Darcy Ribeiro, Cyro
dos Anjos, entre outros, foram convidados pelo então presidente, Juscelino Kubitschek, para
coordenarem uma comissão encarregada de criar o “Plano Humano” de Brasília. Esta equipe de
intelectuais organizou um sistema educacional que passou a atender aproximadamente 30 mil
estudantes.
[12]

Projetadas por Oscar Niemayer, as escolas do “Plano Humano” se encontravam em quatro
superquadras (atual centro histórico de Brasília). Cada superquadra consistia em uma
escola-classe e um jardim de infância.

Nessa mesma época nasce também a Universidade de Brasília (UnB) e o Plano de Educação
Básica (PEB).

Essas três experiências das quais Anísio Teixeira fez parte – Manifesto dos Pioneiros da
Escola Nova, Escola Carneiro Ribeiro e Plano Humano – se entrelaçam como um primeiro
momento do projeto brasileiro de Educação Integral, mas foram subitamente abortados pelo
golpe militar de 1964. A discussão da Educação Integral no país tendeu à paralização
durante os 21 anos seguintes, sendo retomada, no âmbito legal, pelos debates que levaram à
elaboração da Lei n
o 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e no âmbito prático pela
primeira tentativa de instauração dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) da
gestão Brizola do Estado do Rio de Janeiro em 1985.
[13] No entanto, quando hoje se
fala em Educação Integral é inevitável que muitos dos conceitos mobilizados pelas
perspectivas apresentadas sejam postos de volta à baila. Fala-se com frequência, ao longo
do debate dos anos 30 aos anos 60, em formação da autonomia nacional, em higiene,
alimentação, socialização, preparo ao trabalho em suma, em Educação plena dos sujeitos
educandos: Educação Integral. Todos estes debates, como se vê, são antigos, mas situam a
Educação brasileira não na esteira de uma escola isolada do mundo que a cerca. Ao
contrário, a escola está incrustrada neste mundo, em relação multilateral, capilar e de
contínuo debate.

Também é possível observar que a escola como ambiente de proteção social é percebida
desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e sua discussão sobre Educação no Brasil.
A Educação Integral passa pela condição de existência do educando. Nesse sentido,
integralidade também significa constituir redes de proteção para assegurar a permanência, o
bem-estar, a autonomia, a sustentabilidade e a valorização do que os educandos e as
comunidades (culturais e de saberes), em que estão inseridos, desenvolvem.



As trajetórias das experiências de Educação Integral na Rede Municipal de Ensino de
São Paulo


No âmbito nacional, as discussões sobre uma educação com vistas à formação integral dos
sujeitos educandos, que podemos rastrear desde a gestão Mário de Andrade, tendeu à
paralização em virtude do golpe militar de 1964 e notadamente após o AI – 5 em 1968. Os
indicadores dessa paralização são diversos: a significativa expulsão de Anísio Teixeira da
UnB em 1964, o fechamento da ousada iniciativa dos Ginásios Vocacionais do Estado de São
Paulo – cuja proposta de integração, estudos de meio e construção coletiva das
aprendizagens foi interrompida em 1969 – pela instauração do bloco de reformas educacionais
tecnicistas voltadas ao mercado do capital internacional do acordo MEC-USAID e da Lei n
o 5.692/71.[14]

Numa perspectiva que nos faz indagar sobre a penetração dessas reformas na Cidade de
São Paulo, a Rede Municipal de Ensino vem formulando ao longo de sua trajetória, de modo
não linear nem progressivo, propostas no sentido de ampliar as experiências educativas no
interior de suas Unidades Educacionais. Exemplificaremos aqui essas propostas, por meio da
revista “Escola Municipal” produzida pela Secretaria Municipal de Educação entre os anos
1968 e 1985, à exceção dos anos 1970, 1972, 1973, 1979 e 1983.

As décadas de 1960 e 1970 foram um período que nacionalmente podemos considerar de
transição entre um discurso elaborado em torno da Pedagogia da Escola Nova e o tecnicismo
caracterizado pelos acontecimentos e documentos acima arrolados, mas que, ao menos na
revista elaborada pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo no período, demonstram
que os discursos sobre uma educação mais ampla e menos fragmentada continuou presente. O
primeiro número, de 1968, nos informa que,

A Escola de hoje deve ter um programa de atividades e não de matérias. (…) Os padrões
que começam a se formar na infância, que se alimenta de tudo que a cerca, não desaparece,
ao contrário, crescem e se expandem pelos anos afora, integrando-se permanentemente na vida
do indivíduo. Como disse Anísio Teixeira, “o professor de hoje tem que usar a legenda do
filósofo: nada que é humano me é estranho”. (BONOLDI, 1968, p.31).

Mais adiante e no mesmo ritmo, outra educadora continua,


O que se constata até agora é que o ensino primário brasileiro tem sido unilateral e,
portanto, deficiente. Temos atendido até então apenas aos aspectos da criança e não da sua
totalidade.

[…] A educação só pode ser promovida
integralmente, porque um país se desenvolve à medida que existe uma organização
educacional adequada às suas necessidades orgânicas e supra-orgânicas.

[…] Cabe a cada um de nós examinar. Só depois de tal exame consciente é que se poderá
ou não responsabilizar a criança de hoje pelo futuro da nação. E a base disso é um ensino
integrado a abordar a educação intelectual, moral, social, religiosa, física, enfim
humana. (SCHALCH, 1968, p. 40)

No ano seguinte, a revista apresenta unidade temática com a anterior, trazendo como um
dos objetivos da escola primária: “contribuir para o desenvolvimento harmônico da
personalidade do educando, através da integração das experiências que a criança vive
fora e dentro da escola” (RIOS, p. 9).

O ano de 1970 é de implementação da Escola Integrada de 8 anos na Rede Municipal. O
diretor do Departamento Municipal de Ensino, Paulo Nathanael Pereira de Souza justifica tal
iniciativa destacando, também, as perspectivas de ampliação das já citadas experiências
educativas, ao apontar, em seu programa de ação, o significado da escola integrada de oito
anos:


[…] A educação de base é aquela que se capacita a, no período de formação e maturação
da personalidade, desenvolver todas as potencialidades do educando, dando-lhe a chamada
educação integral: física, intelectual, social e afetiva. (p.8)

Faltava no sistema de ensino a escola integrada, que desse resposta cabal à exigência
constitucional e social da escolaridade de oito anos, e tentasse eliminar os inconvenientes
atuais da evasão escolar, da reprovação em massa, do ponto crítico representado pelo exame
de admissão e das diferenças de estrutura, currículos, métodos e objetivos que a escola
primária e ginasial, ora guardam em si. (p. 26)

Na revista de 1971, ao se refletir acerca da Escola Integrada de oito anos, vemos a
preocupação com as tensões evidenciadas entre intenção e gesto.

[…] Não deve haver, como em muitas escolas, o costume, criado inconscientemente, de
formarem os departamentos estanques, ou separações psicológicas de grupos que quase nunca
se entrosam: de um lado, os professores de línguas e ciências exatas; de outro lado, os de
desenho, artes industriais e música; de outro, ainda, os de educação física. A sala dos
professores tem que ser não só ponto de encontro durante o intervalo das aulas, mas,
também, o laboratório de contatos, de aproximações, de planos de realizações. (VERNIANO,
Sebastião Hermes; MELLO, Hermínio de Campos, p. 27).


Passados quatro anos de implementação, em 1974, aparentemente as tensões apontadas
acima tornam-se mais evidentes e começa a ganhar destaque um velho conhecido das educadoras
e educadores da Rede Municipal de Ensino.

Realizado o diagnóstico da rede municipal de ensino, constatou-se que um dos seus
principais problemas é, sem dúvida nenhuma, a verificação de elevados índices de retenção.
Basta dizer que, em alguns casos, estes índices atingem cifras de 70%. (p. 5)

A tentativa de solucionar este imenso problema articula a organização escolar e a
organização social, que têm como elemento constitutivo a integralidade do humano.

As escolas municipais, tendo como fundamento os valores humanísticos que norteiam a
filosofia educacional brasileira, apresentam como finalidade máxima do processo educativo o
desenvolvimento integral e harmonioso do ser humano, em todos os seus aspectos:
intelectual, social, emocional. Por isso, quem conhece a dinâmica das escolas da rede
municipal de ensino sabe a importância que nelas é atribuída, ao lado das demais matérias
do currículo, à Música, às Artes Práticas e à Educação Física. (p. 10)

Em 1975, acrescenta-se nova preocupação na busca incessante por integralidade na formação
das crianças e adolescentes, ao ser apresentado pela Secretaria Municipal de Educação, o
Plano de Educação Infantil (PLANEDI), que consistia:


na aplicação de um programa de aceleração cultural desenvolvido junto às Escolas
Municipais, com o objetivo de atender a criança pré-escolar, prioritariamente a de 6 anos,
nos aspectos biológico, psicológico e social para ter êxito na escola de 1º grau. […] As
professoras desenvolvem suas atividades e elaboram seus planejamentos com a finalidade de
oferecer às crianças condições para um desenvolvimento integral. (p. 32)

Portanto, como vimos nos destaques destes documentos, a perspectiva da Educação Integral
é parte constante do horizonte de possibilidades na organização da Rede Municipal por parte
dos sujeitos que a compõe. Trata-se de uma recorrência, assumindo, historicamente,
significados diferentes nos momentos vários em que foram elaboradas.

Quando da redemocratização e da eleição da prefeita Luiza Erundina em 1989, o debate que
se desenhava retomou essas mesmas discussões a partir de novos paradigmas. Os movimentos
sociais estavam organizados em volta de temas como saúde, transporte e, claro, educação,
entre outros e pressionavam o poder público potencializados pelas mudanças democráticas. A
Eleição da candidata Luiza Erundina foi uma resposta dessa urgência nas urnas.
[15]

As tentativas de silêncio que duraram 21 anos foram pouco a pouco substituídas pelo novo
transbordamento de demandas de participação popular no País e se estabeleceram na
continuidade do lastro dos documentos aqui citados da Rede Municipal de Ensino. Paulo
Freire, quando no cargo de Secretário, encontrou a Educação Municipal com muitas
dificuldades e com grandes gargalos na constituição da carreira docente e na elaboração de
uma política para a Educação como direito de todos.

Rompendo com a noção de que só os poucos em supostas condições de aprendizagem devem ter
acesso à educação, a gestão de Paulo Freire constituiu importante programa de Educação de
Jovens e Adultos, sistematizou as Salas de Apoio Pedagógico e as Salas de Atendimento aos
Portadores de Necessidades Especiais (SAPNE) em 1993,
[16] se antecipando à Declaração
de Salamanca
[17] e à Lei no
9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ampliou o uso das Tecnologias da
informação
[18] – que antes só funcionavam
em escolas-piloto – abrindo caminho para a instituição do Professor Orientador de
Informática Educativa (POIE) entre outras ações.

Freire e sua equipe tentaram constituir as noções de autonomia dos sujeitos envolvidos
nos processos educativos por meio dos quatro eixos que nortearam a Secretaria de Educação à
época: democratização do acesso, gestão democrática, nova qualidade da Educação e a
expansão de atendimento da Educação dos Jovens e Adultos trabalhadores.

Em um dos primeiros documentos construídos pela SME para estabelecer o diálogo com a
Rede, “Construindo a Educação Pública Popular”, Paulo Freire e sua equipe apresentaram uma
carta de intenções e o trabalho que a Rede deveria construir em si e para si. O eixo
norteador que aponta para a Educação Integral apresentado nesse documento pode ser visto no
trecho que segue:

Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas,
ameaças, repreensões e punições, mas para participar coletivamente da construção de um
saber, que vai além do saber da pura experiência feito, que leve em conta as suas
necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe
transformar em sujeito de sua própria história. A participação
popular
na criação da cultura e da educação rompe com a tradição de que só a elite
é competente e sabe quais as necessidades e interesses de toda a sociedade. A escola deve
ser também um
centro irradiador de cultura popular, à disposição da
comunidade, não para consumi-la, mas para
recriá-la.[19]



Recriar a cultura a partir da escola, por meio da gestão democrática é um avanço que
aponta para uma Educação Integral. Os conselhos de escola, surgidos no bojo da gestão
Erundina, são o reflexo dessa importante faceta do que hoje compõe o arcabouço conceitual
da Educação Integral.

Apesar dos avanços da gestão 1989 – 1992, foi apenas em 2002, ano em que a pasta da
Educação passou às mãos de Maria Aparecida Perez, que um antigo sonho de equipamentos da
educação, aos moldes dos desenvolvidos por Anísio Teixeira, se espalhou pelos territórios
da Cidade de São Paulo. A inauguração dos primeiros 21 CEUs, com base no Mapa da Exclusão
Social e dando continuidade à vocação de atender aos filhos das classes trabalhadoras
inaugurada pelos Parques Infantis da gestão Mário de Andrade, foi um marco na Cidade de São
Paulo. Desenvolvidos pela equipe de Alexandre Delijakov, importante servidor municipal,
arquiteto e professor da USP, os CEUs levaram às franjas da cidade os primeiros sinais do
que hoje chamamos de Cidade Educadora.

Contando com equipamentos da educação que contemplam todas as etapas da Educação Básica,
os CEUs contam ainda com bibliotecas, quadras, piscinas entre outros dispositivos de uso
comum que não serviam apenas como atrativos para populações que, mesmo dentro da Cidade de
São Paulo, tinham pouco acesso a esses e outros equipamentos públicos.
[20] Servia também ao processo
inverso. Os CEUs seriam irradiadores de participação popular na cidade. Delijakov diz que a
sigla CEU pode ser também concebida como “Centro de Estruturação Urbana”.
[21]

Tendo continuidade e ampliação nas gestões seguintes e servindo de referência para tantas
outras municipalidades, os CEUs são exemplo de política pública que deixa marcas. Os CEUs
se inserem como equipamentos fundamentais nas periferias de São Paulo no que se refere à
concepção da Cidade Educadora e na perspectiva da Educação Integral, articulando cultura,
esporte, corpo, lazer e cidadania, em afinação à atual gestão.

Dando sequência à perspectiva de ampliação do tempo e das possibilidades de
desenvolvimento dos educandos, as gestões seguintes elaboraram os importantes projetos “São
Paulo é uma escola” e “Ampliar”. No primeiro, o foco era ocupar “os diferentes espaços da
escola e de seu entorno, proporcionando aos educandos condições para a realização de
atividades pedagógicas, culturais, recreativas e de lazer, fora de seu período regular de
aula”.
[22] Na prática, a SME
desenvolveu ações na cidade toda, numa tentativa de ocupar espaços culturais, de lazer e
esporte, mas sempre no contraturno das aulas. No segundo, avançando na discussão da
integralidade do sujeito educando, o foco era em ações desenvolvidas principalmente nas
escolas, também em contraturno, mas valorizando os saberes múltiplos dos educadores que
desenvolviam projetos nas mais variadas linguagens para incentivar o protagonismo dos
educandos.
[23]

A experiência recente da cidade aceitou o desafio de uma Educação Integral e, com o
auxílio do programa Mais Educação Federal e respondendo ao Plano Nacional de Educação,
elevou de 39 em 2012, para 365 em 2014, o número de escolas com turmas em Educação
Integral. É uma experiência muito fecunda, constituída a partir dos saberes diversos das
comunidades escolares e seu permanente esforço. Atividades consolidadas, como o xadrez,
bandas e fanfarras e outros tantos projetos no contraturno perderão sua característica de
atividades “a mais”. Integrar-se-ão ao currículo, podendo ocorrer em qualquer horário da
jornada ampliada dos educandos e contando com o apoio e participação da comunidade escolar
com seus conhecimentos e formas de compreender e mudar o mundo, fundamentais para uma
formação que vise à integralidade dos sujeitos educandos.

A Educação Integral em tempo integral não se limitará a ser uma política de governo. A
exigência da sociedade é que se torne uma política de estado, que a eclosão desse momento
histórico seja um caminho sem volta. O município de São Paulo, por sua imensidão e alta
complexidade, tem diante de si um enorme desafio. Como nas obras de Salvador Dali, a
Educação Integral desta cidade, protagonizada por educandos e educadores, tem como missão
escorrer e transbordar nas franjas da capital paulistana e além. Estamos diante de uma
educação-desafio que ultrapassa os limites mais estritos de tempos e espaços escolares para
constituir uma educação cada vez mais emancipadora, humana, justa e igualitária.


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